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23/12/2021

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Introdução

O artigo que se segue pretende responder as objeções kardecistas e kardecianas acerca do politeísmo. Desta forma, pretendemos demonstrar os seguintes fatos: o kardecismo apresenta um caráter de extremo progressismo — derivada das teorias evolutivos apropriadas pela própria doutrina espírita como metódo; o espiritismo usa tal suposição para ser ególatra, i.e., para enaltercer a si mesmo em diversos patamares de superioridade, que, não obstante a isso, os seus apologistas tornam o significado nulo pela falta de competência para defender tais; a falta de compreensão da doutrina e seus seguidores que, em meio a uma apropriação de devaneios iluministas, propõem a se apoiar em um tripé religião-ciência-filosofia.

Não obstante a isso, pretendo dar uma breve explicação desses fatos que serão vistos repetidamente pelo leitor a seguir no texto. Mas, claro, não estamos tratando aqui da doutrina geral, isto já o fizemos [não neste site]. Ademais, H. Rivail a todo momento se afirma codificador de uma terceira revelação abraâmica, superior em relação com as anteriores. Assim, o espiritismo torna-se superior em matéria moral e intelectual quanto ao cristianismo e ao judaísmo, completando o que Cristo teria dito em Mateus 14. O autor da codificação expressa isso com clareza como se fosse possível percebê-lo a cada linha dos seus livros e, ainda, trata em um capítulo inteiro em uma de suas obras: "O Evangelho Segundo o Espiritismo". Mas, ainda, H. Rivail resgata o espiritismo, supostamente, presente em outras doutrinas antigas, como em Platão (este ele também trata no livro que acabamos de citar); e nos antigos politeístas:

Ainda mais: assim como o sabeísmo (sic) nasceu da Astronomia mal compreendida, o Espiritismo, mal compreendido na Antiguidade, foi a fonte do politeísmo[1].

Como se tudo precedente ao espiritismo fosse, de fato, uma deturpação do próprio e que participaria do mesmo de alguma forma. Não muito diferente de alguns cristãos, mais ou menos ecumênicos e perenialistas, que dizem, em determinados momentos, a mesma coisa sobre as "antigas revelações" e que elas tiveram sua conclusão em Cristo. Outros absurdos poderiam ser corrigos em outros momentos no que concerne aos disparates de Kardec sobre os antigos sábios, mas, em suma, a maioria não tem base — já que ele trabalha com elas de forma básica, insuficiente — que valha a pena algum desgaste.

Por fim, acredito ser mister esclarecer algo a respeito dos erros, que são numerosos e extensos, de H. Rivail. Este que, por sua vez, não tomou a autoria das obras espíritas que foram a base pro pensamento kardecista. Assim, aqueles espíritas que, ao largar com temência o seu lado ferozmente religioso, passam a ter um olhar secular e, para defender a própria doutrina de erros crasos, afirmam que este foi um pensamento de Kardec. Lembro-lhes o seguinte: o que Kardec escreveu não deveria ser interpretado como uma opinião pessoal, mas como uma revelação divina através dos espíritos e criticada enquanto tal na doutrina, não fora dela. Assim, recordo-me do apresentador do canal "Canal Espiritismo Em Kardec" que chamou as críticas a Kardec, no que concerne ao racialismo espiritual, de anacrônicas, pois Kardec vivia em tempos diferentes em que tais afirmações eram válidas — risivelmente, o rapaz se esqueceu que Kardec não tomou esse pensamento como seu — e chamou aqueles, em específico o pessoal da militância negra, que denunciaram essa parte da doutrina de pessoas com "discurso afro mimimizento (sic)". Aliás, como René Guénon fala: "Onde, pois, teria aprendido Jamblico tão bem o francês de hoje em dia?" (o que é claramente um tom de deboche); e complementa: "Eu não encontrei nunca um só caso de clarividência magnética onde o sujeito não refletisse direta ou indiretamente as ideias do magnetizador". Sobre a primeira afirmação "guenoniana", há ali claramente um deboche um pouco tosco acerca da doutrina, não acredito que Kardec tenha ido tão longe a ponto de ter tido sequer contato com a existência do Divo Jâmblico, na segunda, considerando que não sou espírita, há ali um deboche proporcional que causaria um espanto do "outro lado" da conversa provocando uma parte cômica da raivosidade neoespiritualista.

Objeções "Disparáticas"

Primeira Objeção:

Por que razão, não obstante ser falsa, a crença politeísta é uma das mais antigas e espalhadas?

"A concepção de um Deus único não poderia existir no homem, senão como resultado do desenvolvimento de suas ideias. Incapaz, pela sua ignorância, de conceber um ser imaterial, sem forma determinada, atuando sobre a matéria, conferiu-lhe o homem atributos da natureza corpórea, isto é, uma forma e um aspecto e, desde então, tudo o que parecia ultrapassar os limites da inteligência comum era, para ele, uma divindade. Tudo o que não compreendia devia ser obra de uma potência sobrenatural. Daí a crer em tantas potências distintas quantos os efeitos que observava, não havia mais que um passo. Em todos os tempos, porém, houve homens instruídos, que compreenderam ser impossível a existência desses poderes múltiplos a governarem o mundo, sem uma direção superior, e que, em consequência, se elevaram à concepção de um Deus único."[2]

Segunda Objeção:

16. Deus é único. A unicidade de Deus é consequência do fato de serem infinitas as suas perfeições. Não poderia existir outro Deus, salvo sob a condição de ser igualmente infinito em todas as coisas, visto que, se houvesse entre eles a mais ligeira diferença, um seria inferior ao outro, subordinado ao poder desse outro e, então, não seria Deus. Se houvesse entre ambos igualdade absoluta, isso equivaleria a existir, por toda eternidade, um mesmo pensamento, uma mesma vontade, um mesmo poder. Confundidos quanto à identidade, não haveria, em realidade, mais que um único Deus. Se cada um tivesse atribuições especiais, um não faria o que o outro fizesse; mas, então, não existiria igualdade perfeita entre eles, pois que nenhum possuiria a autoridade soberana. 

17. A ignorância do princípio de que são infinitas as perfeições de Deus foi que gerou o politeísmo, culto adotado por todos os povos primitivos, que davam o atributo de divindade a todo poder que lhes parecia acima dos poderes inerentes à humanidade. Mais tarde, a razão os levou a reunir essas diversas potências numa só. Depois, à proporção que os homens foram compreendendo a essência dos atributos divinos, retiraram dos símbolos, que haviam criado, a crença que implicava a negação desses atributos.

18. Em resumo, Deus não pode ser Deus, senão sob a condição de que nenhum outro o ultrapasse, porquanto o ser que o excedesse no que quer que fosse, ainda que apenas na grossura de um cabelo, é que seria o verdadeiro Deus. Para que tal não se dê, indispensável se torna que Ele seja infinito em tudo. É assim que, comprovada pelas suas obras a existência de Deus, por simples dedução lógica se chega a determinar os atributos que o caracterizam.[3]

Terceira Objeção:

É único. Se houvesse muitos Deuses, haveria muitas vontades e, nesse caso, não haveria unidade de vistas, nem unidade de poder na ordenação do Universo.[4]

Respostas aos mesmos disparates

Da Primeira Objeção

Esta, a primeira, objeção é a mais comum no meio cristão. Imputar materialismo no politeísmo foi algo extremamente comum entre os teólogos cristãos dos últimos 2.000 anos. Todavia, há de se explicar da onde parte esta concepção. Com efeito, o apóstolo Paulo profere estas sentenças em diversas ocasiões (e.g., Rm 1, 22–23). Se a interpretação de que os pagãos são materialistas é, em realidade, a interpretação correta da doutrina paulina, não nos encarregaremos de afirmar ou negar, mas consideramos ela neste momento, tendo em vista que ela é a mais comum e popular e é exatamente esta que Kardec utiliza. Ademais, não só este, mas a própria bíblia dá o entendimento de que os pagãos são idólatras materialistas e supersticiosos — e nesta, também, iremos levar a máxima que levamos na questão paulina, pois não cabe-nos aqui fazer qualquer investigação exegética. Martinho de Braga, por exemplo, chega a dizer que os deuses romanos eram, em realidade, homens criminosos — o que levou-o a conclusão de que os nomes romanos para os dias das semanas eram sinais de idolatria.[5] E vemos, novamente, um caráter progressista no que Kardec afirma "A concepção de um Deus único não poderia existir no homem, senão como resultado do desenvolvimento de suas ideias", que ele quer dizer basicamente é que os "primitivos politeístas" tiveram suas ideias engolidas por "ideias mais evoluídas", o monoteísmo, e, portanto, estão ultrapassados e defasados pelo tempo que abundou e, supostamente, progrediu a teologia à um nível superior de concepção metafísica que despreza esta meia verdade para um grau de verdadeira incapacidade. Ora, sobre este último em específico não há o que se falar, já que Kardec parece desconhecer sobre o que fala e a todo momento pretende denegrir certas ideias sem realmente atacá-las — e quando, apesar de denegri-las, tentando combatê-las, acaba proferindo tantos disparates quanto anteriormente.

Não obstante, é mister trazer afirmações dos antigos que contradizem H. Rivail. Assim, por exemplo, Salústio afirma o seguinte:

"Como os deuses são intelectuais…"[6]

No mesmo sentido, Proclo, filósofo grego do século V, afirma:

"115. Todo Deus é superessencial, supervital e superintelectual."[7]

Já Jâmblico, filosofo sírio do século III, há de corrigir vários pontos dos em que alguns afirmam o paganismo como idólatra:

Uma natureza divina, portanto, seja ela atribuída a certas partes do universo, como o céu ou a terra, ou cidades e regiões sagradas, ou certos bosques, ou estátuas sagradas, externamente ilumina tudo isso, da mesma maneira que o sol irradia externamente todas as coisas com seus raios.[8]

Mais:

"(…)as divindades celestes não são compreendidas por corpos, mas contêm corpos em suas vidas e energias divinas; que eles próprios não são convertidos ao corpo, mas têm um corpo que é convertido à sua causa divina; e esse corpo não impede sua perfeição intelectual e incorpórea, nem lhes ocasiona qualquer molestamento por sua intervenção."[9]

E também:

"Digo, portanto, que as estátuas visíveis dos Deuses se originam de paradigmas inteligíveis divinos, e são geradas sobre eles."[10]

Ademais, há venerações falsas, que Jâmblico não se retém ao condenar como heréticas:

"E se eles prestarem atenção a esses ídolos como se fossem deuses, o absurdo será tão grande que nem pode ser exprimido por palavras, nem suportado por atos. Pois um certo esplendor divino nunca ilumina uma alma desse tipo, porque não está adaptado para ser comunicado a coisas que lhe são inteiramente repugnante."[11]

Da Segunda Objeção

Aqui, há uma enorme confusão. Tamanha que é um pouco difícil — não pela probabilidade, mas pelos termos — conferir se houve um engano ou se o objeto da crítica foi outro. De forma semelhante, Tomás de Aquino escreveu as mesmas críticas em sua "Suma Contra os Gentios". Ademais, não é uma crítica muito embasada.

Nos artigo 16 e 18, Kardec evidencia coisas que também foram evidenciadas por politeístas, como Salústio[12] e Proclo[13], e não há ali nenhuma contradição. Assim, com efeito, na proposição 113 Proclo afirma que a multidão dos deuses provém da unidade; na proposição 132 afirma que ordens dos deuses subsistem uniformemente e são definidas de acordo com o Um; na proposição 124 e na 133 afirma que cada deus, da multidão de deuses, tem peculiaridades próprias. Assim, os deuses não se diferem em bondade (114) e em perfeição (114), mas quanto a atividade (125), potencialidade (126) e essencialidade (122) — o que desmantela todas as criticas anteriormente realizadas.

Sobre o artigo 17 de Kardec, já discutímos anteriormente. Com base nisso, é previsível a resposta que Kardec tenha dado, imputando ignorância e primitivismo nas doutrinas antigas. O que é claramente um devaneio de pseudo-intelectualidade da mão iluminista que ofuscou o pensamento dos neoespiritualistas; máxime o de H. Rivail, quando este toma e formula, imputando alguma origem divina, a sua "Lei de Progressão".

Da Terceira Objeção

Sobre esta, na verdade, há uma grande distorção que já desmascaramos a partir da resposa na segunda objeção. Salústio, todavia, já daria uma resposta para isso há milênios:

"É necessário então que a prima causa seja uma — pois a unidade precede a multiplicidade — e supere todas as coisas em poder e bondade. Consequentemente todas as coisas devem tomar parte da sua natureza. Pois nada pode impedir as suas energias através de poder e, devido à sua bondade nada irá separá-la(…) – Depois desse poder inexprimível as ordens dos deuses sucedem."[12]

Fim.

Com este artigo provavelmente encerro qualquer critica ao espiritismo em forma de artigos. Na verdade, futuramente, por caridade e alta resistência, possa sair um grande compilado — talvez em artigo, talvez em um livro virtual... Ademais, já havia resistência por parte minha para publiar este mesmo artigo, já que desprezo esse apego ao espiritismo que vem a mim como disposição e de tempos em tempos me desapego mais e mais do que outrora foi minha crença. Ainda mais: digo que este não foi um artigo focado em criticar Kardec e o kardecismo, o leitor perceberá que isso se extende para além destes dois. Em certo sentido, os mesmos foram aqui bodes expiatórios.

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Bibliografia

[1]KARDEC, Allan. Jornal de Estudos Psicológicos 1859.

[2]KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Capítulo II, da Lei de Adoração. POLITEÍSMO.

[3]KARDEC, Allan. A Gênese. Capítulo II, Deus. DA NATUREZA DIVINA.

[4]KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Profissão de Fé Raciocinada. Deus.

[5]DE BRAGA, Martinho. De Correctione Rusticorum.

[6]Sallustius. Sobre os Deuses do Cosmo. Capítulo IV. Que as espécies de mito são cinco, com exemplos de cada.

[7]Proclus. Mistérios da Teologia.

[8]Iamblichus. dos Mistérios Egípcios, Caldeus e Assírios. Capítulo IX.

[9]Iamblichus. dos Mistérios Egípcios, Caldeus e Assírios. Capítulo XVII.

[10]Iamblichus. dos Mistérios Egípcios, Caldeus e Assírios. Capítulo XIX.

[11]Iamblichus. dos Mistérios Egípcios, Caldeus e Assírios. Capítulo XXIX.

[12]Sallustius. Sobre os Deuses do Cosmo. Capítulo V. Sobre a Causa Prima.

[13]Proclus. Mistérios da Teologia. Proposição 11; Proposição 22;